Em 2008 recebi o convite do Jornal Volta Cultural (em Volta Redonda) para escrever sobre filmes em parceria com Bruno Vicente. Abaixo, alguns dos textos publicados:
O Expresso da meia-noite:
Por Paula Freitas, maio de 2008
Uma leitura psicossocial
Olá, a partir de hoje tenho a desafiadora missão de articular as reflexões psicológicas aos grandes clássicos do cinema, comentados na coluna ao lado por Bruno. Os filmes envolvem as pessoas com suas histórias, despertam pensamentos, fantasias, emoções, enfim, um misto de reações que podem ser trabalhadas numa reflexão crítica, contribuindo assim para o nosso desenvolvimento individual e coletivo.
Diante da história verídica contada em “O EXPRESSO DA MEIA-NOITE” ficamos chocados pois constatamos que infelizmente essa é, ainda, uma realidade social. O protagonista experimenta os piores sentimentos possíveis vivendo num lugar sub-humano e se transforma em alguém que ele mesmo não reconhece: perde sua identidade, seus referenciais, sua centralidade.
Numa das cenas, um dos presidiários da ala psiquiátrica diz: “Todos nós viemos de uma fábrica e às vezes uma fábrica faz máquinas ruins, que não funcionam. As máquinas não sabem que são ruins, mas o pessoal da fábrica sabe...” Mas, o que é ser uma máquina? Qual é o destino dado às máquinas que não funcionam? Como as máquinas, somos produzidos e programados em série?
Jean-Yves Leloup denominou como NORMOSE esta forma de comportamento considerada a patologia da normalidade. Ser “normal” é se adaptar ao sistema e mantê-lo, é ser rígido, estagnado e certo de suas convicções, sem abrir possibilidade para o novo, para o aprendizado. É viver alienado, inundado pela onda do consumismo, “anestesiado” diante da violência, enfim, fazer parte de uma sociedade que não pensa suas atitudes, simplesmente as reproduz sem questionamentos. Dessa forma realmente funcionamos como máquinas e só deixaremos de sê-las, quando transcendermos a normose, fazendo grandes as pequenas coisas.
Precisamos entrar num processo de escuta de si e do outro, e entendermos a importância de cuidarmos de nós e do planeta. Num mundo onde nos transformamos em “coisas”, as emoções e sentimentos nos lembram que somos GENTE e que mesmo diante do caos temos possibilidades de acordar, recriar e ressignificar! Não estamos enclausurados numa penitenciária, mas talvez estejamos presos às nossas convicções, à normose.
Para tomarmos o expresso da meia-noite, como nos propõe o filme, precisamos realizar uma travessia. Faço minhas as palavras de Fernando Sabino: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.
BEH-HUR
Por Paula Freitas, junho de 2008
Uma história de fé e luta!
A crise como possibilidade de crescimento
No mês passado, através do filme “O Expresso da Meia-Noite”, refletimos sobre nossas convicções, que acabam tornando-se prisões da existência humana. Agora convido você leitor, através do filme Ben-Hur, a pensar em algo que nos abala em nossas cômodas convicções: a crise. Muitas vezes, diante dos desafios, o ser humano se vê obrigado a se refazer, ou seja, projetar sua existência em novas formas, criando ou desvendando possibilidades na vida.
No épico bíblico, Ben-Hur é torturado e mal tratado, vivendo em condições sub-humanas nos navios romanos como escravo. Apesar de tudo, ele consegue sobreviver, fato raro, já que normalmente os escravos morriam em pouco tempo nas galés.
Na vida também vivemos momentos de turbulência e tensão. Quando algo nos atropela, perdemos o rumo e às vezes temos a sensação de que o sofrimento não vai passar. Entretanto, diante do caos, superamos os desafios devido à nossa RESILIÊNCIA. Este termo vem da física e representa a propriedade que alguns materiais possuem de voltar ao normal depois de submetidos à máxima tensão. A psicologia tomou emprestada essa imagem para explicar a capacidade de lidar com problemas, de superá-los e de se deixar transformar pelas adversidades. Ser resiliente é ser capaz de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima!”, é fazer nascer uma pérola da ferida, é optar por não ficar paralisado diante do sofrimento, mas construir, ressignificar e crescer!
A crise será uma eterna companheira no nosso processo evolutivo. No ideograma chinês ela é representada pela combinação de dois símbolos: um significa "perigo" e o outro pode ser traduzido como "oportunidade". Ou seja, apesar da crise, podemos estar diante de uma grande oportunidade para melhorarmos, para “olharmos para dentro” e nos percebermos (e ao mundo) de outras formas.
Algumas atitudes podem nos ajudar a enfrentar esses momentos, como: tentar compreender os sentimentos, rever a vida e buscar novas formas de agir e se relacionar; evitar o fatalismo e a vitimização; valorizar as pequenas vitórias conquistadas; estabelecer ou estreitar vínculos com pessoas que podem representar coragem e estímulo, além de perceber as lições e aprendizagens proporcionadas pelo sofrimento. A espiritualidade também emerge como um escudo protetor da existência, dando um sentido profundo e atribuindo um grande valor à vida, como nos mostra o filme, através da fé de Ben-Hur. Mas vale lembrar que muitas crises podem ser superadas. Entretanto, quando as pessoas não conseguem por si mesmas, em meio à tempestade, contar com ajuda profissional especializada é um bom caminho.
Precisamos acreditar que apesar do sofrimento é possível sorrir, que após a tempestade o sol brilha novamente, e que a cada “topada” nos tornamos mais maduros e fortes, afinal: “É nas quedas que o rio cria energias” (Gandhi).
BEN-HUR
Por Bruno Vicente
Não poderia deixar de falar sobre Charlton Heston (1923-2008), figura icônica do cinema que marcou toda uma geração e que faleceu recentemente.
Heston é mito. Não existe adjetivo melhor para que eu utilize em referência a ele. Seus personagens cativam, especialmente nos épicos (sempre em technicolor!), e conseguem, no mínimo, se tornarem inesquecíveis. O emocionante Moisés em “Os Dez Mandamentos” (do folclórico Cecil B. DeMille), e seu El Cid no filme homônimo, entre tantos outros papéis (Planeta dos Macacos, A Marca da Maldade), são imortais. Mas hoje eu falo do mais imortal deles, embora a grandeza da película fale por si mesma: Ben-Hur.
Ben-Hur é um filme dirigido por William Wyler sobre fé e esperança. O filme se passa no século I e conta a história de Judah Ben-Hur, príncipe judeu que, em tempos de opressão a Israel, sonha com a liberdade e salvação de seu povo do domínio romano. Ben-Hur reencontra Messala (Stephen Boyd), seu amigo de infância, que agora é um comandante da Legião e que, por interesses políticos tenta manipulá-lo e, ao perceber que não seria possível, recorre à traição. Afinal, o povo romano tinha o domínio militar, mas como obter o domínio ideológico do povo? Judah Ben-Hur jamais aceitaria isso, e por isso, é preso e condenado como escravo às galés, mas antes jura vingança. A partir daí o príncipe hebreu enfrentará os maiores desafios de sua vida para concretizá-la, mas corre o risco de se perder nessa sede de vingança. Ele quer sua liberdade e, mais do que isso, deseja salvar a todos. Mas será que ele é capaz salvar a si mesmo?
Cenários belíssimos (vide Jerusalém e a Arena), figurino impecável e dezenas de milhares de figurantes compõem esta magnífica obra. O tema musical é clássico e os efeitos sonoros passam à adequada emoção às cenas. É um filme bastante longo (quase 4 horas de projeção!), mas aceitável, haja vista o clássico da literatura (de Lewis Wallace) que o filme se propõe a adaptar. Foi feito para ser inesquecível, e atinge esse objetivo com louvor. A história é empolgante e dinâmica, e isso também se deve à atuação de Heston.
Charlton Heston nos prende ao filme, e isso é comum em suas atuações, seu poder de atar toda nossa atenção aos seus personagens. Em um filme com Heston, o personagem principal é realmente o principal. Ele sabia muito bem fazer isso, desde “Os 10 Mandamentos”. Em “Ben-Hur”, seu personagem perceptivelmente amadurece ao longo da película, muito bem construído. Heston fez história.
O filme não é só um filme, é um evento. Maior vencedor de OSCAR de todos os tempos (ganhou os prêmios principais, o que o coloca, a meu ver, em posição de vantagem em relação a outros vencedores), emocionou platéias do mundo todo.
Lawrence da Arábia
Por Paula Freitas, julho de 2008
A mudança e a coragem que vem do medo
Olá, aqui estou eu novamente a pensar sobre um grande clássico do cinema a partir do olhar da psicologia. Os filmes envolvem as pessoas com suas histórias, despertam pensamentos, fantasias, emoções, enfim, um misto de reações que podem ser trabalhadas numa reflexão crítica, contribuindo assim para o nosso desenvolvimento individual e coletivo. Na edição anterior, através do filme “Ben-Hur”, refletimos sobre crise e superação. O filme Lawrence da Arábia também nos conta uma história (real) de lutas e conquistas.
Quando me deparo com essa história logo me vem à mente o trecho da música O Sal da Terra: “vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois”. Neste filme, Lawrence nos ensina muito. Talvez fosse mais fácil ou cômodo para ele continuar como cartógrafo no exército inglês. Mas o jovem tenente não se contentou em ser um mero expectador dos fatos e mergulhou numa missão, ensinando aos árabes que juntos poderiam tornar-se fortes!
Na vida nem sempre temos coragem para mudar! Muitas vezes arrastamos algo durante anos e anos por medo da mudança. Protelamos relações sem futuro, adiamos decisões importantes, nos aposentamos num trabalho que não nos traz satisfação.
Apesar de sentir-se desvalorizado pelas pessoas, Lawrence mostrou-se corajoso para mudar e ressignificar sua história. E para falarmos de coragem precisarmos refletir sobre o medo, já que os dois andam juntos. Viver é lutar diariamente com o medo.
Rubem Alves (em seu livro “Um mundo num grão de areia – o ser humano e seu universo”) nos fala sobre o medo de uma maneira simples e ao mesmo tempo profunda. Ele nos diz que se a pomba, por medo do gavião, se recusasse a sair do ninho, ela já teria se perdido no próprio ato de fugir do gavião. Porque o medo lhe teria roubado aquilo que de mais precioso existe num pássaro: o vôo. Quem, por medo do terrível, prefere o caminho prudente de fugir do risco, já nesse ato estará morto. Porque o medo lhe terá roubado aquilo que de mais precioso existe na vida humana: a capacidade de se arriscar para viver o que se ama.
De acordo com ele, “O medo é parte da nossa própria alma. O que é decisivo é se o medo nos faz rastejar ou se ele nos faz voar. Quem, por causa do medo, se encolhe e rasteja, vive a morte na própria vida. Quem, a despeito do medo, toma o risco e voa, triunfa sobre a morte. Morrerá, quando a morte vier. Mas só quando ela vier”.
Viver a vida aceitando e enfrentando os medos: isso tem o nome de coragem. Coragem não é a ausência do medo. É viver, a despeito do medo.
LAWRENCE DA ARÁBIA
Por Bruno Vicente
“É impossível? Não, não é. Eu o fiz!”
Lawrence da Arábia conta a história de T. S. Lawrence (Peter O’Toole, em uma das mais marcantes atuações da história do cinema), jovem tenente do Exército Inglês que, durante a Primeira Guerra Mundial, não se conforma com sua posição de cartógrafo e resolve se candidatar a uma missão na Arábia, onde os árabes enfrentam os turcos, aliados dos alemães na guerra. Lá ele deixará sua posição de “cartógrafo desconhecido” para unir e liderar os povos árabes na Revolta Árabe, e assim se tornar um “mito”. A aventura seria uma interessante história de ficção se os fatos ali narrados não fossem a mais pura realidade!
m um filme inesquecível do também inesquecível David Lean (diretor de clássicos imortais como Doutor Jivago e A Ponte do Rio Kwai), baseado no livro Os Sete Pilares da Sabedoria, do próprio T.S. Lawrence, somos levados até as areias do deserto em uma aventura épica sobre coragem, ousadia, heroísmo (será?) e incoformismo. Lawrence é um jovem que não se conforma em ser apenas expectador de tudo o que ocorre no local em que está inserido e resolve participar daquilo, e fazer o possível para mudar o atual quadro. Para isso tem de fazer com que os árabes deixem seus conflitos seculares e se unam no propósito de vencer o inimigo turco e constituir a tão sonhada nação. Mas muitos interesses (especialmente políticos) serão oposição a esse pensamento e caberá a eles, sob o comando do gênio “Al Lawrence” ( como ficou conhecido entre os árabes), superá-los e vencê-los. Mas Lawrence é um líder nato, destemido e ousado que, ardendo de compaixão, vai fazer de tudo, mesmo em meio a tantas dificuldades, para conduzir aquele sofrido povo à liberdade. Só um milagre para que os árabes vençam os bem-armados turcos. E acreditem, T.S. Lawrence vai atrás deste milagre a qualquer custo,mesmo havendo sofrimento e muita dor. Seus sonhos (às vezes delírios!) se sobrepõem a isto.
Cenários deslumbrantes, trilha sonora arrebatadora e atuações marcantes de atores da época que estão entre meus favoritos compõem o filme. Um filme que reúne, além de O’Toole, Anthony Quinn, Alec “Obi-Wan Kenobi” Guiness e o grande Omar Sharif já mereceria meu respeito. Mas o filme vai além disso. Vencedor de 7 Oscars e considerado um dos 10 melhores de todos os tempos (a meu ver, mui justo), o filme é grandioso, bem montado e com uma produção de primeira. As cenas de batalha (cuja Batalha de Acaba é a que mais me marca!) são ótimas e os diálogos são firmes e belíssimos. Um filme longo (mais de 3 horas e meia de filme), mas que pode ser saboreado aos poucos, dividido facilmente em 2 partes para evitar cansaço ou monotonia, afinal monotonia e T.S. Lawrence são 2 palavras que nunca combinaram.
Lawrence abraçou uma causa e, o que para muitos era ridículo, o jovem tenente fez ser épico. Ele queria fazer história, e fez. Tanto no cinema quanto na vida real.
Cidadão Kane
Por Paula Freitas, agosto de 2008
Reflexões sobre o ter e o ser
Um menino aparentemente feliz brinca com seu trenó na neve quando é levado por um desconhecido. A mãe está convicta de que é o melhor para ele e o pai apesar de se revoltar contra essa atitude nada faz para impedir. É assim que começam as mudanças na vida de Charles Foster Kane, um menino pobre que herda uma fortuna e passa a ser criado pelo banqueiro Walter Parks Thatcher. Fica claro que Kane não desejava separar-se de seus pais, mas a possibilidade de ter um futuro garantido determina sua história.
No desenrolar do filme um emaranhado de informações vai se costurando à frente dos olhos do espectador, revelando um Kane por vezes perturbado, mas sempre ambicioso. Kane gostava de criar polêmicas, de incomodar. Aos poucos vai perdendo suas virtudes e mostrando seus defeitos. As pessoas mais próximas o viam como alguém que necessitava ser amado, aplaudido, admirado. Diziam que ele só acreditava em si mesmo. Para Susan (sua ex-mulher), Kane tentava convencer as pessoas de que as amava para que elas também pudessem amá-lo. É claro que do seu jeito, a partir de suas regras...
E na tentativa de suprir essa falta comprava estátuas, obras caras, animais exóticos, construía palácios e teatros. Em vão... Kane passa seus últimos dias sozinho, no palácio que construiu para si e para o qual levou tudo que o dinheiro podia comprar. Sua morte comovera a nação e descobrir o porquê da última palavra pronunciada por ele (“rosebud”) torna-se uma obsessão para o jornalista Jerry Thompson, que acredita poder encontrar nela a chave do significado daquela vida atribulada.
Rosebud: a pedra que faltava no quebra-cabeça. As pessoas que o enxergavam como forte e poderoso mal sabiam que ele escondia dentro de si uma criança ferida e carente, em busca de amor. No fim de seus dias não importava a riqueza acumulada, a fama ou o poder... Importava o que rosebud representava: família, afeto e alegria.
CIDADÃO KANE
Por Bruno Vicente
O porquê de Cidadão Kane ser um dos filmes mais importantes da História
Construído sobre um enredo polêmico e conturbador para a época, Cidadão Kane conta a história de Charles F. Kane, magnata da mídia que construiu um império das comunicações, desde sua humilde infância até sua morte na solidão de sua mansão.
A partir de uma premissa que poderia ser “apenas mais uma”, Orson Welles, até então um jovem radialista, conhecido pela “pegadinha” com os norte-americanos da Guerra dos Mundos, dirige esta película, onde ele constrói e reconstrói conceitos e técnicas cinematográficas. Em forma de documentário, o longa mostra a busca do jornalista Thompson (William Alland) para o enigma “Rosebud”, palavra pronunciada por Kane (Orson Welles, também no papel principal!) em sua morte e que seria o cerne do documentário produzido sobre sua polêmica figura. A partir daí, o jornalista cria uma obsessão pela resolução do enigma, que o levará a entrevistar pessoas que marcaram de algum modo à vida do magnata, como o mordomo, a ex-mulher, entre outros.
Partindo de um enredo forte, Orson Welles explora uma narrativa não-linear até então desconhecida na época, fugindo do tradicional ‘começo-meio-fim’, e constrói uma história em que critica toda a podridão da mídia, pautando-a em flashbacks difusos e também em técnicas muito incomuns de jogo de luz e sombra, dando um clima sombrio ao filme. Outro recurso é a câmera em profundidade de campo, recursos que hoje são os mais utilizados pelo cinema e que foram desenvolvidos nesta obra, entre tantas outras técnicas. Tão inovador e inventivo, desde o roteiro até a direção, fica a pergunta: o que seria do cinema hoje sem Cidadão Kane? Confesso que não sei a resposta.
Amnésia
Por Paula Freitas, setembro de 2008
Este excelente filme nos deixa confusos não somente pela dificuldade em compreendê-lo, mas principalmente porque toca em questões delicadas para o ser humano, como a confiança no outro e principalmente em si mesmo. Através da história de Leonard podemos nos questionar sobre como percebemos as coisas ao nosso redor e como as registramos em nossas mentes
Leonard possui uma idéia fixa, uma lei pessoal: “Minha esposa foi violentada e assassinada. Tenho que vingar sua morte”. Vive em função disso e mesmo quando se dá conta de que não faz sentido, mantém essa lei para que sua vida tenha um significado. Os fatos reais causam sofrimento insuportável e ele precisa de uma história na qual acreditar.
Assim vivemos. Adotamos leis pessoais e passamos a vida toda encenando tais leis: “Homem não presta”, “Não sou capaz”, “Sou bonzinho e preciso salvar o mundo”, “Todos estão contra mim”. Ouvimos de maneira direta ou indireta essas leis e as incorporamos. Passamos a reproduzir histórias que as confirmem, em novos contextos, com diferentes personagens que assumem os mesmos papéis, encenando o mesmo roteiro. E quando nos damos conta disso afirmamos que nunca mais tal fato vai se repetir. Em vão... Faz parte da nossa herança familiar e social e não existe mudança sem auto-conhecimento.
Como o próprio Leonard diz, nossa memória é traiçoeira... Ela nos engana: encobre e distorce os fatos para que não soframos tanto. Nas palavras do personagem: “A memória muda o formato de um quadro, a cor de um carro. Lembranças podem ser distorcidas. São só uma interpretação, não são um registro”. E para que isso ocorra não precisamos ter um distúrbio grave como Leonard, pois os mecanismos de defesa se encarregam disso. Como dizia o grande poeta Renato Russo: “Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo, prefiro acreditar no mundo do meu jeito...”.